Versões de cultura.
- Iasmim Santos
- 13 de dez. de 2018
- 4 min de leitura
Atualizado: 19 de dez. de 2018
EAGLETON, Terry. A ideia de cultura: Versões de cultura. Capítulo I. Lisboa, Actividades editoriais. Tradução: Sandra Castelo Branco. 1ª. São Paulo: UNESP, 2003, 171 p.
Para Matthew Arnold, desde já, a palavra deixou cair adjetivos como “moral” e intelectual, para ser apenas cultura, em si mesma uma abstração. Se cultura significa a procura ativa de crescimento natural, a palavra sugere então uma dialética entre o artificial e o natural, aquilo que fazemos ao mundo e aquilo que o mundo nos faz.
Sendo cultura, entendida como a alta cultura, estabelece-se uma dualidade entre faculdades mais ou menos elevadas. “Enquanto cultivadores, somos barro nas nossas próprias mãos.”. Cultivarmo-nos pode, além disso, não ser apenas algo que fazemos a nós próprios, pode também ser algo que nos é feito, e não menos pelo Estado. Na sociedade civil, por exemplo, todos são movidos por interesses opostos; o Estado, porém é o domínio no qual essas divisões podem ser harmoniosamente conciliadas.
Tal como, Friedrich Schiller, a cultura é o mecanismo, do que mais tarde será designada hegemonia, formatando os súditos humanos em função das necessidades de uma nova espécie de organização política, remodelando-os desde a base até aos dóceis, moderados, não conflituosos e desinteressados agentes dessa ordem política.
Para Johann Gottfried Von Herder, a cultura não designa qualquer narrativa grandiosa e unilinear da humanidade universal, mas uma diversidade de formas de vidas específicas, cada uma das quais com as suas próprias leis de evolução. Ele relaciona explicitamente a luta entre os dois sentidos da palavra cultura [...] O que uma nação considera indispensável no círculo dos seus pensamentos, escreve Herder, jamais penetrou a mente de outra e foi por uma terceira considerada injurioso.
Enquanto a cultura como civilização é extremamente seletiva, a cultura como a forma de vida não é. Para os pós-modernistas, as formas integrais de vida devem ser elogiadas quando pertence a grupos dissidentes ou as minorias, mas castigadas se pertence à maioria.
Edward Said sugere que todas as culturas estão interligadas; Se a primeira variante importante na palavra cultura é a crítica anticapitalista [...] a terceira é a sua redução gradual ao domínio das artes. Quando a ideia de cultura começa a significar aprendizagem e artes, atividades confinadas a uma minúscula proporção de homens e mulheres é simultaneamente intensificada e empobrecida.
Esta é a cultura enquanto crítica utópica, ao mesmo tempo prodigiosamente criativa e politicamente enfraquecida, sempre em perigo de desaparecer na própria distância crítica da realidade política que ela mesma tão destrutivamente estabelece. Neste sentido, todas as culturas são contraditórias entre si. Estas são razões para ter esperança, uma vez que elas próprias que criam as forças que podem vir a transformá-las. Na opinião de Geoffrey Hartman, Herder é o primeiro a utilizar a palavra cultura “na moderna acepção de uma cultura de identidade: um modo de vida social, popular [...] leva a que uma pessoa se sinta enraizada ou em casa”. E tal como, Frederic Jamenson sustentou, a cultura é sempre “uma ideia do outro.” Definir nosso mundo com uma cultura é arriscar sua relativização.
A ideia de cultura sempre constituirá uma forma de descentrar a consciência [...] As crenças que assumimos como válidas devem estar difusamente presentes para que possamos praticar qualquer ação. Contudo, como observa Raymond Williams a cultura emerge como noção do “reconhecimento da separação prática de certas atividades morais e intelectuais dos ímpetos impulsionadores de uma nova espécie da sociedade”. A cultura é deste modo, sintomática de uma fratura que ela própria se propõe a superar.
Terry Eagleton apresenta a palavra cultura, como um conceito que deriva da natureza, a partir da visão de variados teóricos e referências, perpassando por importantes períodos da história. Neste capítulo, “versões de cultura”, é possível perceber as diferentes significâncias da cultura e suas variantes no campo da filosofia, ciências, psicologia, literatura e nas artes, esta, demonstrando um perigo ao servir de apoio à cultura, pois segundo Terry, a arte tende a desaparecer.
Juntamente, Francis Bacon, escreve sobre “a cultura e o adubamento das mentes” e é fácil perceber como um termo socialmente construído define a cultura como elemento intrínseco ao homem. Isso envolve uma ideia de liberdade, no entanto, é interessante ressaltar que os indivíduos são livres, mas dentro das regras, existindo, então, essas oscilações.
“Os seres humanos não são meros produtos dos meios envolventes, mas estes também não são totalmente moldáveis pela arbitrária automodelação dos primeiros” (Eagleton, 2003, p. 15). Ao contrário da Escola de Frankfurt, por exemplo, que em seus estudos sobre a cultura de massa, costumava considerar só a passividade social.
É importante ressaltar, que como o sociólogo Émile Durkheim salientava que a opinião pública traz de suas origens uma autoridade moral que se impõe aos indivíduos, quando desenvolve o conceito de fato social, ele explica que os indivíduos internalizam o que acontece exteriormente, os modificando e os induzindo a aceitação de regras. Assim também é possível relacionar com alguns autores do capítulo, que mostram que a cultura é uma espécie de prisão dentro de determinadas estruturas, a exemplo do Estado. “Abandonada aos seus próprios recursos, a nossa natureza condenável não se erguerá espontaneamente até a graça da cultura; mas essa graça também não pode ser-lhe rudemente imposta” (Eagleton, 2003, p.17).
“O pensamento dialético emerge por ser cada vez menos possível ignorar que a civilização, pelo simples fato de concretizar algumas das potencialidades humanas, suprime também, e com evidentes prejuízos outras” (Eagleton, 2003, p. 37). Em síntese, as mudanças semânticas de cultura ao longo da história só mostra que ela não deve ser conceituada e padronizada. Pois ela nasce a partir de uma transformação da própria natureza, e das relações de trabalho que o homem tem na mesma. A cultura vai além de construções históricas, perfis positivos e negativos, perpassa por grandes construções e desconstruções, especificidades, épocas e geografias que compõem a sociedade e ela compõe os seus indivíduos.
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