Por uma outra Globalização
- Iasmim Santos
- 19 de mai. de 2019
- 8 min de leitura
Análise crítica do documentário por uma outra globalização, com direção de Silvio Tendler e produção de Ana Rosa Tendler. (Rio de Janeiro: RioFilme e Caliban, 2006.)
O documentário baseado na obra “Por uma outra globalização” que, também contém uma entrevista com o geógrafo brasileiro, Milton Santos feita em 2001 por Sílvio Tendler, nos traz uma análise profunda a respeito das alterações que ocorreram no mundo a partir do avanço da globalização.
Processos “civilizatórios”
Logo no seu início é retratado como o processo de colonização foi severo, violento (80.000.000 dos nativos na América Pré-Colombiana, durante 1500 e 1600, 70.000.000 foram exterminados, 2.000 línguas foram exterminadas com eles) e degradante para os que não detinham o poder. Em contraponto, um novo tipo de colonialismo, o econômico, retorna vestido de globalização e falso progresso.
A princípio percebemos um futuro mal projetado com o avanço dessa integração. E são apresentados dois tipos dela: a primeira globalização, do colonialismo que, se caracterizou pela ocupação territorial em terras como a do Brasil. E a segunda globalização, fim do século XX, refere-se à fragmentação dos territórios sendo possível ressaltar a perda de povos, etnias, culturas devido ao despreparo e ganância rumo à conquista de novos territórios e nações (Tupis e tribos indígenas, tiveram seus territórios demarcados arbitrariamente ignorando, tribos, línguas, cultura, religiões para facilitar a dominação e o saque de suas riquezas).
Revoluções
O século passado foi o século das grandes revoluções, e a revolução tecnológica foi uma das evidenciadas no documentário. Tecnologias foram colocadas como solução para os problemas do mundo. E é nesse período que o consumo é aflorado junto às promessas de um novo mundo mais globalizado e ocidental.
O consumo aparece destacado, por Milton Santos, como "o grande fundamentalismo”. E vemos que as técnicas são implantadas em um território e numa sociedade a partir de uma política, hoje política das empresas globais, amanhã, a partir da política dos Estados condicionados pelas nações.
Dois mundos
“O mundo visto do lado de cá” nos mostra as desigualdade e desequilíbrios sociais visíveis e um fluxo de poder despreocupado em saná-los.
Visivelmente, percebe-se que, o mundo ocidental é o que mais facilmente conhecemos e interpretamos; é também o mais vendido cotidianamente com suas nações, como os Estados Unidos. Ao contrário do mundo oriental que tenta se afastar das amarras do capitalismo, a exemplo da China.
“O mundo do Norte e do Sul” é uma questão de bipolaridade exposta no documentário, desde disputas territoriais, corrida armamentista, espaciais e, políticas do imperialismo, o mundo do Norte impera sobre o do Sul.
Ao comparar com o cenário atual, em 2019, vê-se que não está sendo diferente no governo do presidente Jair Bolsonaro, atual presidente do Brasil, que busca uma aproximação cada vez maior com os Estados Unidos, em uma ilusão e, sonho natural de nações do sul em se tornarem como as nações do norte ou estadunidenses.
Globalitarismo
Vemos que as nações consideradas de terceiro mundo são escadas para a subida das nações dominantes. A ambição vem em primeiro lugar e depois, caso sobre migalhas, quem sabe, o terceiro mundo seja lembrado.
Esse é o globalitarismo citado por Milton Santos, uma nova forma de controle social, muitas vezes simbólica, mas com consequências notórias para a sociedade.
Mídia e cultura
Quando a globalização veio ela trouxe uma conexão maior entre as pessoas e fronteiras. E no documentário é exposto como a mídia pode ser utilizada tanto como uma “fábula” quanto para denúncias a respeito dos efeitos do globalitarismo.
A mídia tem um papel de intermediação que não podemos dizer que é inocente, pois o dinheiro é o centro do mundo, proposto pelos economistas e conseguinte, imposto pela mídia. Porém não parte dela totalmente esse poder. Salienta-se no documentário que as agências da informação, estritamente ligadas ao mundo da produção material das finanças é que de fato controla, de maneira extremamente eficaz, a interpretação do que está passando no mundo.
Milton Santos chama atenção às dinâmicas das redações e as formas de se produzir notícia “Repetições de mesmas manchetes, debates, ideias indicam que alguma coisa está por trás disso.” As notícias são interpretações desses fatos. Os acontecimentos são analisados de acordo com os interesses empresariais pré-determinados.
E ao mesmo tempo em que a mídia, com a informação, é um grande instrumento nos processos e novas formas totalitárias de vida, a cibercultura e transformações nas relações sociais e comunicacionais, permitiram que pessoas de qualquer lugar pudessem também, mostrar a realidade muitas das vezes, ignorada pela grande mídia.
Representatividade
Sendo possível chegar a vários lugares somente com uma câmera, com o avanço da informação todos podem si representar sendo produtores dos seus próprios conteúdos e transmiti-los.
As identidades fragmentadas tiveram a chance de reconstituí-las e integrá-las com outras identidades. Mas, essa possibilidade de integração com outros grupos não faz com que se desintegre totalmente dos seus originais. Como exemplo dos povos indígenas e a possiblidade do acesso a internet; mesmo estando na aldeia é possível conectar-se com outras partes do mundo.
Efeitos
O que mais se questiona a respeito da globalização é sua forma de ser desigual e perversa. Mesmo que muitos digam que a globalização só tem efeitos positivos, e que no sistema ideológico a justificam como um único caminho para história, cabe ressaltar a importância da análise crítica e social dos nossos territórios, contextos e populações. Pois muitos modelos e visões a cerca de crises e ajustes na economia são impostos na sociedade (reformas: trabalhista, da previdência). E a aceitação dos ‘remédios sugeridos’ pelos poderes públicos, é visível, pois na maioria das vezes não são questionadas como deveriam.
O que se ressalta também no documentário, é a questão da crise e seu valor de importância para cada indivíduo. Os poderes que governam desejam fortemente afastar uma única crise e esta, é a financeira e não qualquer outra.
Diferentes mundos
No documentário, são citados também, três mundos observados por Milton: O 1° mundo que é a forma como nos fazem enxergá-lo, a globalização como fábula. O 2° mundo, seria o mundo tal como ele é, a globalização como perversidade. E o 3° mundo seria um mundo como ele poderia e pode ser, "uma outra globalização”.
Sabe-se que nunca na humanidade houve condições técnicas, científicas tão adequadas para construir um mundo mais digno. No entanto, essas condições foram expropriadas por um punhado de empresas que decidiram construir um mundo perverso. E cabe a nós reverter esse quadro desigual e fazermos dessas condições materiais uma condição de se produzir uma outra política, sendo necessárias mudanças a respeito da ética e responsabilidade com as pessoas e nações.
Movimentos políticos
Os movimentos sociais aparecem como forma de vencer os desafios da falta de ação do poder público, esses movimentos autônomos ajudam a mostrar o descontentamento diante das ações não efetivas.
As lutas por mais igualdade, direitos deturpados existem para a obtenção de liberdade e distanciamento das desigualdades e incoerências sociais, que costumam vir disfarçadas de boa política, mas é feroz afetando diretamente os mais pobres. A exploração do trabalho, leis trabalhistas sendo desfeitas, salários mascarados e decadência dos trabalhadores que não recebem pelo que se produz, sendo saqueados constantemente pelos patrões que comandam grandes corporações, manifesta a indignação de uma classe que não aguenta mais ser explorada.
Ética e sociedade
Além do investimento na publicidade ser um ponto importante no papel de disseminação do mundo ocidental e novidades da intercomunicação. Outra característica evidente nesse processo é o aumento das privatizações (como a da Vale no Brasil e, a tentativa de privatização da água potável em Cochabamba, Bolívia, em 2000, que gerou uma forte onda de protestos) abertura da economia, relações comerciais ampliadas, como os fornecimentos de produtos em rede planetária, produtos importados e, o desejo de pertencer ao novo mundo.
Contudo também, se evidencia o aumento da corrupção, pobreza e saqueamento das riquezas mundiais. A falta de responsabilidade das grandes empresas revela a necessidade de relações mais éticas e morais, pois são essas relações erradas que desorganizam os territórios não só moralmente como socialmente. Como o que foi feito no mapa do continente africano que, com a política de crescimento eurocêntrica, desfez famílias, tradições e tribos.
O desemprego (segundo IBGE: 13,1 milhões de pessoas estavam desempregadas no trimestre encerrado em fevereiro) é um exemplo de como a globalização se mostra uma máquina perversa da humanidade. Além da pobreza, água sem tratamento, falta de moradia e a fome que já se generalizaram em todos os continentes sendo tratadas com naturalidade.
A partir disso, um fato crítico ressaltado por Milton é que a questão da fome não está relacionada à produção de alimento, pois produzimos mais do que podemos comer, mas sim, relacionada à questão de distribuição.
Vê-se que, a forma como a sociedade está organizada é que decidirá quem come e quem controla os recursos do planeta. "A humanidade se divide em dois grupos: o grupo dos que não comem e o grupo dos que não dormem, com receio da revolta dos que não comem”.
Afastamentos
É perceptível, o aumento dos distanciamentos entre grupos. Nas cidades os pobres estão cada vez mais sendo levados às áreas periféricas e distantes dos grandes centros. Mas, não é só nas cidades que esse processo de muralhas ocorre nas grandes nações capitalistas isso não é diferente (como os afastamentos de imigrantes, ou povos que despertam perigo para suas nações). Um exemplo atual é o muro proposto pelo atual presidente norte-americano Donald Trump que visa barrar os mexicanos da nação estadunidense.
Com o avanço dos novos procedimentos capitalistas, “o sonho comunista foi substituído pelas barreiras reconstruídas” pela cortina de ferro do capital.
Fracasso
O relatório lido em Davos, 2019, mostra como o mundo necessita mudar o caminho que está andando, pois os índices de desigualdades demonstram fracasso no sistema econômico, social e político do planeta.
Estado
Milton Santos enfatiza que só a partir do Estado seria possível mudar, “não vão ser Ongs nem instituições do terceiro setor”. “As entidades do terceiro setor acabam obrigadas a cuidar melhor de certos setores e não de outros, enquanto que o Estado, através do exercício da politica, tem a tendência de cuidar de todos e, todas as pessoas”.
Essa produção democrática que as Ongs ou terceiro setor, não podem cuidar pela sua própria definição, mostra que o Estado se torna algo cada vez mais indispensável, porque as fontes criadoras de diferenças e desigualdades são muito mais fortes do que no passado. Então, para desmanchar essas diferenças, reduzir essas desigualdades, é necessário um Estado que intervenha, e seja socializante, por conseguinte.
Ao longo do documentário, vemos surgir vários questionamentos como: Seremos sempre imitadores do norte? Vamos nos converter na triste caricatura do norte? Vamos ser sempre como ele? Repetiremos os horrores da sociedade de consumo que está devorando o planeta, sendo ecos de vozes alheias? Vamos ser violentos, e crer que estamos condenados à guerra incessante, ou vamos gerar um mundo diferente? Quem manda é quem tem poder? Você vale o que tem no bolso? Quem é dono do centro? Por que o Brasil jamais teve cidadão?
Percebe-se nas palavras do geógrafo Santos que a classe média não quer direito, mas sim, quer privilegio. “E os pobres não têm direito, pois cidadania neste país nunca houve.”
Conclusão
A busca por melhores condições de vida, emprego, alimento, moradia digna e, a busca dos direitos que são garantidos pela constituição brasileira é o que move muitos, principalmente nas ações de enfrentamento nas ruas.
E os movimentos sociais buscam por alternativas para uma globalização solidária, para quem sabe, escapar dessa nova forma de totalitarismo disfarçada, o globalitarismo, em que o abismo entre ricos e pobres se intensificam. A liberdade e o exercício da cidadania são suprimidos e comprometidos.
A globalização poderia ir bem se as regras fossem iguais para todos, no entanto não é o que se percebe. A verdadeira liberdade é consumida.
Contudo faz-se necessário quebrar círculos viciosos, pois de acordo com Milton Santos “estamos fazendo ensaios do que será a humanidade; nunca houve humanidade”.
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