Todos os homens do presidente
- Iasmim Santos
- 19 de mai. de 2019
- 7 min de leitura
Resenha crítica do filme, Todos os Homens do Presidente: All the President's Men, dirigido por Alan J. Pakula e poduzido por Walter Coblenz, 1976.
Com base no livro dos jornalistas do Washington Post diretamente envolvidos no caso Carl Bernstein (Dustin Hoffman) e Bob Woodward (interpretado por Robert Redford), o roteiro de William Goldman em “Todos os Homens do Presidente” acompanha todo o processo investigativo desde a manhã seguinte ao assalto a Watergate (para cobrir o que parecia ser apenas um crime comum) ainda durante a campanha presidencial dos Estados Unidos em 1972 até a publicação da matéria que levaria o então presidente Nixon à renúncia.
Após dois anos de pesquisa e investigação, os dois jornalistas conseguem esclarecer para os americanos o que realmente havia acontecido naquela madrugada de 18 de junho de 1972. Os invasores estavam a serviço do Partido Republicano e tentavam obter informações confidenciais sobre o candidato democrata George McGovern. Nixon não só tinha conhecimento das ações ilegais, como teria feito um caixa dois para bancá-las. O objetivo era encontrar alguma coisa contra o candidato adversário para usar durante a campanha e obter a vitória nas urnas.
Os acontecimentos principais acontecem alguns meses antes da reeleição de Nixon. Momento que ocorre, a detenção dos cinco invasores, no quartel-general eleitoral do Partido Democrata, no edifício Watergate. Eles eram ligados ao FBI e à CIA, e foram apreendidos usando câmeras e microfones. Porém nada disso, em princípio, interferiu na reeleição de Nixon, mas, as suspeitas de que o próprio presidente estivesse envolvido no caso começaram a aumentar. E, é neste momento que vão surgir no cenário jornalístico os repórteres Robert Woodward e Carl Bernstein, do jornal The Washington Post.
Processo investigativo
Todo o filme mostrará o esforço e os méritos de dois profissionais em busca da “verdade” na solução de um caso extremamente enigmático.
Como um espectador é possível nos sentirmos envolvidos a cada cena do filme e, ao longo dos processos investigativos, é como se estivéssemos ajudando tanto o Carl quanto o Bob na procura de novos fatos e pistas.
O filme nos traz um olhar sem tanto glamour no profissional jornalista, ou seja, é possível perceber os desafios que o profissional enfrenta e que não é um trabalho fácil como alguns podem pensar, principalmente quando se depende de outras pessoas, ou melhor, de fontes para confirmar ou negar determinadas suspeitas de um fato.
É possível, ao decorrer das cenas, caminhar com os profissionais e sentir a agonia do tempo e a notícia se desqualificando na passagem desse tempo.
Rotinas Produtivas
Vemos também, a exibição das reuniões de pauta como momentos até certo ponto descontraídos, em que os editores, por editorias, comentavam as prováveis matérias a entrar no próximo jornal, divididas em internacionais, nacionais, locais e comunitárias; As manchetes da primeira página eram sempre negociadas.
E a partir disso, podemos associar aos critérios de noticiabilidade, valores-notícias que entram em jogo nas redações quando se pensa em qual fato terá o privilégio de ser publicado. As rotinas produtivas são apresentadas na prática jornalística, e a redação do Washington Post, é um exemplo disso.
No filme vemos como a redação reflete, através da profundidade de suas linhas retas e de seu ambiente amplo e caótico, o universo de informações que os personagens estão mergulhados.
Personalidade do ser jornalista
Através das dinâmicas de trabalho foi possível nos atentarmos a alguns traços de personalidade dos protagonistas. Como as anotações que Woodward faz transmitindo ao público sua sede por informações relevantes e sua maneira de organizar o raciocínio, e a importância de registrar tudo. Contrapondo-se muito bem ao comportamento mais atirado de Bernstein, que utiliza métodos mais agressivos para obter o que deseja, como quando engana uma secretária para conseguir falar com determinado personagem.
Atentamo-nos também que, Carl muitas das vezes, deixa a desejar em sua responsabilidade como jornalista. Isso se evidencia quando o chefe não acredita que ele poderia ficar responsável pelo caso, devido Carl não se dedicar como deveria, aos seus trabalhos na redação e deixando-os sempre pela metade.
Mas, além das dinâmicas nas redações, vemos que o trabalho do profissional jornalista toma muito tempo. Porque os jornalistas investigativos em destaque no filme, por exemplo, não paravam, inclusive quando não estavam na empresa jornalística eles continuavam sua jornada de trabalho na busca infinita de novas provas e dados que servissem, pelo menos, para levar a um novo fato ou fonte.
Ética profissional
Observa-se que, logo no primeiro contato do filme entre Bob e Carl quando este último refez o texto do novato. Há um confronto na base da presunção, mas Bob acaba por assumir que sua redação não era tão boa assim, mas o diálogo flui devido à estabilidade de Bob e o seu foco, diante dos fatos que tinham importância para ele.
Mas não podemos deixar de chamar atenção para a forma como, a competência do novato foi questionada. Além de questões relacionadas à ética do jornalista que, são possíveis serem percebidas também. Porque mesmo a redação de Bob não estando tão boa e, dentro dos critérios noticiáveis, era necessário que Carl comunicasse que iria alterá-la antes, e isso não foi feito.
Apuração dos fatos
A princípio quem realiza as primeiras ligações telefônicas para apurar os fatos no filme é o jornalista Bob, ainda inexperiente, porém cheio de ideais. E em contraposição, é a figura do seu chefe que cabe ser destacada nesse momento, por ser editor experiente e prudente, o ajudará a levar adiante a investigação de forma consciente.
Percebemos no filme, outro destaque para o jornalismo, que é quando o editor adverte Bob que no mundo dos jornalistas, não só escrever bem é importante, mas saber o que escrever é fundamental: “Cuidado com o que escreve”. E também quando, tanto Bob quanto o Carl julgavam uma matéria muito boa, para uma provável primeira página. Ela foi para as páginas internas, sob um pedido veemente do editor: “Quero mais fatos”.
Clareza e objetividade
É fácil perceber que, se não se pode ser objetivo no jornalismo principalmente, é melhor não dizer nada, e é necessário perceber o quanto o discurso jornalístico tem um forte poder de destruir ou elevar perfis na sociedade.
A figura do editor-geral do The Washington Post é a do homem que já viu de tudo, ou que julga ter visto. Assim, ele aprova ou não os textos, sentencia, rabisca, muda as frases. Em um momento de dúvida por parte dos superiores, cogitou-se inclusive em se colocar jornalistas mais experientes no caso, que estava tendo repercussão inicialmente apenas no The Washington Post. Ou seja: qualquer deslize poderia comprometer o jornal manchando a imagem e dando descrédito ao veículo.
Importância das fontes
A fonte é outro componente essencial e enriquecedor que, dará veracidade, legitimidade e valor científico para a pratica jornalística. Como citado no filme, Woodward e Bernstein perceberam que havia muito mais coisa por trás daquela história, e foi com a ajuda de uma fonte sigilosa, conhecida por “Garganta Profunda”, (cedeu uma informação a Bob “siga o dinheiro”), que informações foram aparecendo e os levou a outras que indicavam o envolvimento do governo americano no caso.
E ao final do filme vimos o quão importante é uma fonte, além de Garganta Profunda e Judy Hoback - uma bibliotecária do Comitê de Reeleição -, os repórteres precisavam de outras confirmações antes que o editor Bradlee publicasse uma história implicando H. R. Haldeman, o presidente-chefe da equipe e o segundo mais poderoso homem de Washington, no complexo caso. Carl procurou uma das fontes e disse que contaria até dez. Se chegasse a dez e a fonte ainda estivesse na linha telefônica, isso significaria que Haldeman estava envolvido e a pessoa do outro lado, por não ter dito nada, estaria isenta de qualquer acusação judicial, caso o telefone estivesse grampeado. A fonte permaneceu na linha. Os dois jornalistas então, correram para o elevador para dizerem isso a Bradlee, e este lhes permitiu a publicação da história.
Percebemos as técnicas utilizadas pelos jornalistas para obterem os depoimentos das fontes. A forma como se efetua a aplicação dessas técnicas é detalhada e minuciosa Os jornalistas sabiam como obter a informação, e o momento de parar os questionamentos.
Ética em foco mais uma vez
Aliás, os dois exibem um verdadeiro arsenal de técnicas investigativas que se demonstram eficientes ao conseguir as informações desejadas sem, para isto, colocar os informantes em posição muito desconfortável. É óbvio que vez por outra é necessário jogar alguém contra a parede, mas este processo é sempre feito de maneira ética e sagaz pela dupla, como quando conseguem a ajuda de uma colega de redação, mesmo com Woodward se recusando a forçar a garota a dizer o que não queria.
Trazendo uma verdadeira lição de jornalismo, os repórteres obtêm informações muitas vezes sem necessitar de declarações explícitas, trabalhando nas entrelinhas e, o que é mais importante, checando cada informação duas ou três vezes antes de publicar a matéria.
Bob Woodward e Carl Bernstein do Washington Post partiram de uma notícia de uma invasão a uma sala em um prédio na capital americana e terminaram, mais de dois anos depois, derrubando o presidente Nixon.
Importância do jornalismo
A importância do papel do jornalismo na construção de uma suposta realidade é perceptível no filme, e a busca de coletar fatos corretos e que realmente se comprovem é uma forma de transmitir credibilidade e confiança, principalmente em nossa sociedade onde os boatos, mentiras e fake news se materializam em todos os lados.
A busca por documentos que comprovem certa conexão dentro da Biblioteca Nacional é um exemplo disso apresentado no filme. E cabe ressaltar que, mesmo tendo poucas informações, os investigadores precisavam aproveitar tudo.
Efervescência pós – moderna
Em tempo de Fake News, governos e políticos que gastam milhões, para criar narrativas que lhes favoreçam e, métodos que desmoralizam seus adversários. É sempre bom ler e entender como funciona o jornalismo e os esforços que uma apuração requer como a atuação de Bob e Carl foi transmitida através do filme.
Conclusão
Não tão diferente do nosso social momento, vemos como as fake news, boatos e informações mal apuradas tem um forte poder em interferir diretamente nas eleições, como as campanhas eleitorais do Brasil em 2018. As notícias merecem assim, uma atenção muito maior.
O filme “Todos os Homens do Presidente” mostra como o governo fazia muita pressão para desacreditar os jornalistas e os jornais e como, mesmo em momentos em que a história não andava os jornalistas não desistiram de mostrar o que acreditavam e, vemos o quanto à paixão pelo jornalismo é importante pra não desistir de continuar. Pois não só na época ocorrida no filme, mas hoje também, a prática jornalística é posta em questionamentos.
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