Linguagens, ambientes e redes
- Iasmim Santos
- 13 de dez. de 2018
- 8 min de leitura
Atualizado: 19 de dez. de 2018
Será utilizado como texto base neste ensaio, o capítulo IV do livro de Luís Mauro Sá Martino, Teoria das Mídias digitais: Linguagens, ambientes e redes, para corroborar com o fortalecimento e entendimento dos receptores.
Além disso, será dissertado sobre a revolução do “estar sozinho” versus o individualismo conectado, com base nas informações contidas no tópico I (A teoria da solidão conectada de Sherry Turkle) e no tópico II (A cultura digital nas relações cotidianas: Lee Siegel).
Contudo, serão também correlacionadas, ideias baseadas no tema das Identidades líquidas e Cibercultura, cujo processo é importante para compreender as adaptações no ciberespaço e as suas transformações como a fluidez nas trocas de relacionamentos interpessoais, e as novas produções de conteúdos em contato com os dispositivos comunicacionais.
Proximidade sem intimidade versus “ficar só para viver junto”
A realidade tem como características muitas nuances e as teorias da comunicação, por exemplo, podem explicar cada pedaço delas.
A pesquisadora Sherry Turkle a partir de estudos relacionados aos comportamentos em redes e sites percebeu que muitas pessoas preferem obter o contato através dos meios digitais do que obtê-los fisicamente “as tecnologias conseguem suprir algumas de nossas maiores vulnerabilidades e ajuda a lidar com medos contemporâneos – o medo da solidão como também, o medo de criar vínculos muito próximos com outras pessoas” (TURKLE apud MARTINO, 2014, p. 137).
Essas pessoas citadas por Sherry, por medo de serem odiadas, ou julgadas se vinculam a outras que normalmente não as conhece pessoalmente, esquivando-se de algumas eventuais impressões que só teriam, através da relação face a face. Porque por meio das redes e perfis diversos, a persona de qualquer indivíduo pode ser moldada e alterada da maneira que preferir ser vista pela pessoa do outro lado.
Com isso percebe-se que, a ubiquidade do ciberespaço e sua consequente superação dos limites dos campos sociais promovem novos ambientes de sociabilidade em rede (QUEIROZ; SILVA, 2016).
No entanto é perceptível também que quanto mais conectado o indivíduo está mais solitário ele tende a ficar. Pois a vida em rede “permite que nos mantenhamos ao mesmo tempo escondidos e ligados aos outros, em uma proximidade sem intimidade [...] e as mídias estão redesenhando as noções de intimidade e de solidão” (MARTINO, 2014, p. 124).
Ao mesmo tempo em que as mídias digitais permitem um contato próximo, ou uma falsa intimidade, elas também mantêm o distanciamento.
O mestre em Política de Ciência e Tecnologia André Lemos (2010) em uma das suas discussões referentes à internet, cibercultura e sociabilidade diz que as pessoas não ficam sós, não conseguem mais ficar sós. E para produzir qualidade do estar junto, é necessário se isolar de vez em quando.
Pois embora tenhamos cada vez mais acesso à vida pessoal dos outros, como é exposto nesse capítulo, à vida que se assiste, é a vida que se deixa ser conhecida; é uma vida filtrada, ela tem efeitos, ele costuma ser silenciada, bloqueada, de acordo com a demanda do querer de cada internauta.
Bem como, Lee Siegel aborda que “em um mundo confuso, fragmentado e desconectado a internet providencia formas diversas de conexão e interatividade adequadas a esse contexto” (SIEGEL apud MARTINO 2014, p.127). Contudo, essas mudanças nas formas de identidades são perceptíveis também nas reflexões do filósofo e sociólogo Zygmunt Bauman sobre a fluidez nas relações modernas:
Tudo se torna fluídico, portanto tanto as identidades como as relações existentes na cibercultura também seguem esse princípio, pois como entidades construídas a partir de novas realidades, tudo neste ambiente se torna volátil a um clique do mouse ou na mudança de página (BAUMAN apud AZEVEDO, 2014, p.12).
Por isso é necessário perceber o quanto essas relações no ciberespaço são padronizadas e suscetíveis a pausas a qualquer momento, basta um dos receptores desligar a conexão, por exemplo, você estará Off-line.
Ademais, em redes sociais como o Twitter e Instagram através das hashtags como: #tediocombinacom #tweetumsegredo #TBT (throwback Thursday – o dia para se postar foto antiga), e aplicativos que permitem feedback anônimo como o Sarahah e o ask.fm, por exemplo, faz com que ao mesmo tempo em que pessoas contam seus segredos e desejos; confissões mais obscuras, que não contariam se estivessem face a face, ou fora do ambiente virtual; elas mantém também o distanciamento, pois na maioria dos casos não se sabe quem está por trás da pergunta, ou resposta.
É perceptível que a intimidade e segredos quando expostos, não gerem preocupação por parte dos adeptos desses aplicativos ou redes sociais, pois para eles não existem riscos de serem descobertos ou julgados pelas suas confissões, já que é tudo “anônimo” e procura-se sempre agir conforme as regras de seus grupos; curtindo e interagindo de acordo com as preferências do seu nicho.
Como diz Martino (2014), as confissões revelam, imediatamente, fatos de uma intimidade que poderia demorar anos para ser atingida em um relacionamento fora do virtual. No entanto, uma vez escrito ou lido o depoimento, o que fazer? Algumas pessoas se identificam com as confissões, problemas, mas isso não significa que será recebido um feedback da mensagem então, o circuito é fechado.
Variados perfis publicam diários pessoais sobre si e sobre seu cotidiano, no entanto estão sós dentro de grandes e, minúsculas conexões, ao mesmo tempo incertas de feedback e interação. Ou seja, “as relações pessoais aumentam em quantidade, mas também em superficialidade” (MARTINO, 2014, p.126).
Com isso, assim como prevalece à possibilidade de encontrar interlocutores, prevalece também à dificuldade de estabelecimento de diálogos. Os indivíduos ficam cada vez mais presos dentro de suas bolhas, onde são aceitos e não julgados:
“Se tornaram potenciais nós em suas redes isso significa um progressivo isolamento acompanhado, paradoxalmente, de um número igualmente grande de conexões com outras pessoas [...]. Essas pessoas ligadas umas as outras, resultam na formação de grupos menores, com ligações pouco fixas entre eles, ou seja, trabalhando na manutenção dos laços frágeis que se constrói.” (MARTINO, 2014, p.140).
Contudo, cabe ressaltar o paradoxo que Turkle apresenta: “embora as tecnologias de conexão tenham sido feitas para auxiliar as pessoas a economizar tempo, elas demandam um tempo considerável para dar conta de todas as demandas da vida virtual” (TURKLE apud MARTINO, 2014, p.125).
Na era digital, percebe-se que as pessoas não vão mais a um museu, por exemplo, simplesmente para apreciar o local; nessa era, os indivíduos da cibercultura, não podem sair do ambiente que povoa sem fotografar e postar que esteve ou está lá, é necessário que seja autenticada a sua presença nas redes.
Estar sozinho fisicamente não significa que virtualmente também esteja, mas vem se tornando uma precondição para estar conectado. É fácil perceber como as relações face a face são supridas por relações virtuais superficiais, sem nenhuma garantia de duração, mesmo que esteja sempre “online”.
Cultura da Popularidade
Muitas atividades comuns estão sendo transformadas. Como, fazer um simples pedido de uma refeição, ou pedir um transporte a exemplo do Uber, por meio da conexão digital.
É perceptível, transformações nas formas de trabalho como: os influenciadores digitais, e também, transformações nas formas de produção e publicação de conteúdo.
A partir disso, a respeito da liberdade em se produzir conteúdo, o mestre André Lemos (2010), diz que hoje “podemos recolher informações em lugares e formatos diferentes e as pessoas não são só leitoras e receptoras de conteúdo, elas também são escritoras e produtoras”.
No entanto, a respeito desse novo cenário de democracia versus capitalismo na internet: “o fato de qualquer um poder expressar-se nas redes [...] não significa uma explosão de criatividade”. (MARTINO, 2014, p. 129). Porque, mesmo que o contexto da cibercultura contribua para uma maior variedade de discursos mais acessíveis e traga a tona novas modalidades de construção de narrativas do eu (QUEIROZ; SILVA, 2016), infelizmente, o que se vê são meras repetições. Sendo difícil encontrar alguma originalidade nos conteúdos do ciberespaço, já que a importância de ser conhecido visto, ouvido e espalhado é maior do que a de ser original. Um exemplo disso é a forma como os conteúdos virais (vídeos sensacionalistas no Youtube, Whatsapp) e memes ganham forte disseminação e popularidade nas redes.
A vista disso pode-se associar esses fatos, às ideias criticadas pela Escola de Frankfurt sobre a indústria cultural e suas produções padronizadas com a finalidade de serem consumidas. E devido ao fato de não poder arriscar a perda, tanto do lucro quanto de assinantes ou seguidores, os padrões são seguidos e replicados.
Contudo, “boa parte do conteúdo da internet não é dirigido a todas as pessoas, mas a grupos específicos, maiores ou menores em tamanho, que selecionaram previamente, por suas próprias características de grupo, receber estas ou aquelas informações.” (MARTINO, 2014, p. 146).
Bem como, os algoritmos do Google, ao disseminarem páginas e anúncios, por exemplo, direcionam os usuários de acordo com as demandas de cada situação, ou seja, o controle de dados na internet ocorre em consonância com as escolhas e comportamento de cada usuário; gera-se assim, uma filtragem de informações feita por robôs virtuais pelos sistemas de buscas que podem moldar a maneira de pensar dos indivíduos.
Cabe ressaltar, que a circulação de conteúdo não parece acontecer de maneira absolutamente aleatória, mas desloca-se no interior de grupos (MARTINO, 2014). Isso se justifica nos exemplos das plataformas digitais como Netflix e Spotify que através de sugestões, orientam e personalizam músicas e filmes, que elevam o risco de homogeneização da identidade como aborda Daniel Verdú (2016) em seu texto: O gosto na era do algoritmo.
Outro fato problemático que surge a respeito da maior liberdade em se produzir os conteúdos, é sobre a especialidade e a competência de quem escreve algo sempre passível de dúvida. Como por exemplo, o “bum” das Fake News, boatos e, seus prejuízos para o cenário político moderno. Tudo isso porque a facilidade de encontrar pessoas com interesses semelhantes na internet faz com que a formação de grupos além de fácil, seja rápida. “A voz do indivíduo pode cair no oceano de outras vozes, a chance de ser ouvido é maior quando diversas pessoas se reúnem em torno de um interesse comum” (MARTINO, 2014, p. 143). Um exemplo disso foram as hashtag criadas durante o período político eleitoral, no Brasil como: #Elenao #Elesim #viraviraciro #bolsonaropresidente #mulherescombolsonaro, mudando e alterando assim, o cenário político através de influências nas redes sociais.
Considerações Finais
Foi fácil perceber que a conexão digital é fundamental no século XXI, contribuindo com pontos positivos e fazendo-nos questionar através dos seus fatores negativos.
É interessante ressaltar, a dificuldade dos indivíduos ciberconectados, em se resguardar. Devido à possibilidade que cada indivíduo tem de ser um centro em sua própria rede.
Contudo, o docente André Lemos (2010) observa que ninguém está em um celular, tablet ou na internet, lendo Balzac, ou Thomas Man. O que eles estão fazendo é sempre: - curtindo a página do outro, e falando do outro; ou colocando-se sempre no primeiro plano da foto como o “selfie”.
Observa-se assim, a importância de pensar criticamente tendo um autojulgamento sobre o cenário em questão: o das tecnologias comunicacionais. E não ser guiado de forma alienada, pelo que nos medeia, pois só serão cópias e replicações e isso, tira a nossa capacidade de ser singular.
A psicanalista e professora Maria Homem (2018) diz que: “É necessário dar uma chance a solitude: uma condição estrutural do humano que é essa, de ser só.”. É fundamental fazer o exercício da desconexão, tendo um momento só para si mesmo, sem a presença dos dispositivos comunicacionais, de vez em quando.
Sendo assim, é necessário estar apto aos novos contextos, mas sempre de forma consciente e crítica.
Referências
AZEVEDO, Thiago Guimarães. Identidade Digital: A crise das identidades no ciberespaço. Artefactum. Rio de Janeiro, v. n1, p. 1-15, 2014. Disponível em: <http://artefactum.rafrom.com.br/index.php/artefactum/article/viewFile/225/280>Acesso em: 28 nov. 2018.
HOMEM, Maria L. A importância de estar só. Casa do Saber. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=4eyz5-uNGMA>.Acesso em: 26 nov.2018.
LEMOS, André. O que é cibercultura? Internet, Cibercultura e Sociabilidade. TV UFBA, 2010. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=hCFXsKeIs0w>. Acesso em: 25 nov. 2018.
MARTINO, Luís Mauro Sá. Teoria das Mídias digitais: Linguagens, ambientes e redes. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.
QUEIROZ, SILVA, Marcelo, Naiana. Curta este post e eu te direi quem és: a busca da identidade no discurso do outro. INTERCOM. São Paulo, p.15, 2016.
VERDU, Daniel. O gosto na era do algoritmo. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2016/07/07/cultura/1467898058_835206.htm>.Acesso em: 25 nov.2018.
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