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Dialética da colonização: colônia, culto e cultura.

  • Foto do escritor: Iasmim Santos
    Iasmim Santos
  • 13 de dez. de 2018
  • 7 min de leitura

BOSI, Alfredo. Dialética da colonização: Colônia, culto e cultura. Capítulo I. 3ª. São Paulo: Companhia das Letras, 1992, 403 p.

“As palavras cultura, culto e colonização derivam do mesmo verbo latino colo, cujo particípio passado é cultus e o particípio futuro é culturus.” (p.11).


“Colo significou, na língua de Roma [...] eu trabalho, eu cultivo o campo.” (p.11). [Refere-se à dominação e resistência da terra, em suportar tudo].


“Produzir é controlar o trabalhador e o consumidor, eventualmente cidadãos. Economia já é política.” (p.17).


“Colo é a matriz de colônia enquanto espaço que se está ocupando, terra ou povo que se pode trabalhar e sujeitar. Colonus é o que cultiva uma propriedade rural em vez do seu dono.” (p.11).


“A colonização distingue-se em dois processos: o que se atem ao simples povoamento, e o que conduz à exploração do solo. Colo está em ambos: eu moro; eu cultivo.” (p.11-12).


“O que diferencia o habitar e o cultivar do colonizar? Em princípio, o deslocamento que os agentes sociais fazem do seu mundo de vida para outro, onde irão exercer a capacidade de javrar ou fazer lavrar o solo alheio. O íncola que emigra torna-se colonos.” (p.11). [Ou seja, o habitante torna-se cultivador de uma propriedade. Toda vez que o processo de colonização está em curso o íncola leva para outro habitat as suas experiências].


“[...] a produção dos meios de vida e as relações de poder, a esfera econômica e a esfera política, reproduzem-se e potenciam-se toda vez que se põe em marcha um ciclo de colonização.” (p.12).


“O que pesa e importa quando se pesquisa a vida colonial brasileira, como tecido de valores e significados é justamente essa complexa aliança de um sistema agromercantil.” (p. 26).

“Segundo Jakob Burchardt: O poder é em si maligno.” (p.17).


“O traço grosso da dominação é inerente às diversas formas de colonizar e, quase sempre, as sobre determina. Tomar conta de sentido básico de colo importa não só em cuidar, mas também em mandar.” (p.12).


“As tensões internas que se dão em uma determinada formação social resolvem-se, quando possível, em movimentos para fora dela enquanto desejo, busca e conquista de terras e povos colonizáveis.” (p.12-13).


“A colonização não pode ser tratada como uma simples corrente migratória: ela é a resolução de carências e conflitos da matriz e uma tentativa de retomar, sob novas condições, o domínio sobre a natureza e o semelhante que tem acompanhado universalmente o chamado processo civilizatório.” (p.13). [é sempre uma tentativa de retornar às estruturas, sejam econômicas ou políticas].


“A colonização é um projeto totalizante cujas forças motrizes poderão sempre buscar-se no nível do colo: ocupar um novo chão, explorar os seus bens, submeter os seus naturais.” (p.15).


“[...] os agentes desse processo não são apenas suportes físicos de operações econômicas; são também crentes que trouxeram nas arcas da memória e da linguagem aqueles mortos que não devem morrer.” (p.15).


“Se passo agora do presente, colo, com toda a sua garra de atividade e poder imediato, para as formas nominais do verbo, cultus e cultura, tenho que me deslocar do aqui e agora para os regimes mediatizados do passado e do futuro.” (p. 12-13). [No presente, os regimes propagados estão sempre dialogando tanto com o passado quanto com o futuro]


“Cultus é sinal de que a sociedade que produziu o seu alimento já tem memória [...] processo e produto convém no mesmo signo.” (p.13). [as memórias são como instituições que foram se sedimentando de acordo com as experiências transmitidas por cada ser]


“Quanto à cultus, substantivo, queria dizer não só o trato da terra como também o culto dos mortos, forma primeira de religião como lembrança, chamamento ou esconjuro dos que já partiram.” (p.13).


“O culto [...] significa o respeito pela alteridade das criaturas, pela transcendência, o desejo de ultrapassar os confins do próprio ego, e vencer com as forças da alma as angústias da existência carnal e infinita.” (p.19).


“Trabalho manual e culto [...] completam-se mutualmente.” (p. 19).


Gordon Childe, diz [...] no Egito pré-histórico, os vasos funerários eram pintados com figuras de animais e objetos. É de presumir que tinham o mesmo significado mágico das pinturas, figuras talhadas nas cavernas dos caçadores da idade paleolítica. Tal assistência denota uma atitude para com os espíritos dos antepassados que remonta aos períodos mais antigos. (p.14)

“[...] a terra na qual repousam os antepassados é considerada como o solo do qual brota cada ano, magicamente, o sustento alimentício da comunidade” (p.14).


“A esfera do culto, com a sua constante reatualização das origens e dos ancestrais, afirma-se como outro universo das sociedades humanas juntamente com a luta pelos meios materiais de vida e as consequentes relações de poder implícitas, literal e metaforicamente, na forma ativa de colo.” (p.14).

“A Cruz vencedora [...] subjugará os tupis, mas, em nome da mesma cruz, haverá quem peça liberdade para os índios e misericórdia para os negros.” (p. 15).


“A Bíblia defende os judeus pela boca messiânica de Vieira, a Bíblia defende o mesmo Vieira dos inquisidores, que alegam a escritura sagrada para abonar a sua acusação.” (p. 35).

“Estranha religião meio barroca meio mercantil! Religião que acusa os vencedores, depois entrega os vencidos à própria sorte” (p. 35).


“A questão nodal é saber como cada grupo em situação lê a Escritura, e interpretam, do ângulo da sua prática, os discursos universalizantes da religião.” (p. 16).


“Não se pode negar o caráter constante de coação e dependência estrita a que foram submetidos índios, negros e mestiços nas várias formas produtivas das Américas portuguesa e espanhola. Para extrair os seus bens com mais eficácia e segurança, o conquistador enrijou os mecanismos de exploração e de controle.” (p. 21).


“Cultura é o conjunto das práticas, das técnicas, dos símbolos e dos valores que se devem transmitir às novas gerações para garantir a reprodução de um estado de coexistência social.” (p. 16).


“Aculturar um povo se traduziria [...] no melhor dos casos, adaptá-lo tecnologicamente a um certo padrão tido como superior.”( p.17)

“A cultura exerce uma ação constantemente modificadora e desagregadora sobre as duas instituições sociais estáveis [Estado e Igreja].” (p.17).


“Alphonse Dupront nos alertou para os impasses de uma linguagem entre histórica e etnológica que se vale de termos latos como aculturação, assimilação, encontro de culturas, capazes de exprimi relações de sentidos opostos.” (p. 30).


“A inteligência dos povos ex-coloniais tem motivos de sobra e experiência acumulada para desconfiar de uma linguagem ostensivamente neo-ilustrada que se reproduz complacente em meio às mazelas e aos escombros deixados por uma pseudomodernidade racional sem outro horizonte além dos próprios lucros.” (p.18).


“A ação colonizadora reinstaura e dialetiza as três ordens: do cultivo, do culto e da cultura.” (p. 19).


“A economia colonial foi efeito e estímulo dos mercados metropolitanos na longa fase que medeia entre a agonia do feudalismo e o surto da Revolução Industrial.” (p. 20).


“Karl Marx nos acrescenta que: O descobrimento das jazidas de ouro e prata da América, a cruzada de extermínio, escravização e sepultamento nas minas da população aborígine, o começo da conquista e o saqueio das índias Orientais, a conversão do continente africano em zona de caça de escravos negros, são todos fatos que assinalam os albores da era de produção capitalista. Atrás deles, pisando em suas pegadas, vem à guerra comercial das nações europeias, cujo cenário foi o planeta inteiro. Marx via com lucidez que o processo colonizador [...]; quando estimulado, aciona ou reinventa regimes arcaicos de trabalho, começando pelo extermínio ou a escravidão dos nativos nas áreas de maior interesse econômico.” (p. 20).


“Marx afirmara categórico: A produção de capitalistas e trabalhadores assalariados é, portanto, um produto fundamental do processo pelo qual o capital se transforma em valores." (p. 23).


“O historiador Manuel Galich, comenta; Por que essa ambição de terra?” (p. 21).


“Michel de Montaigne escreveu (1588): Quem jamais pôs a tal preço o serviço da mercancia e do tráfico? Tantas cidades arrasadas, tantas nações exterminadas, tantos milhões de homens passados a fio de espada, e a mais rica e bela parte do mundo conturbada pelo negócio das pérolas e da pimenta: mecânicas vitórias. Jamais a ambição, jamais as inimizades públicas empurraram os homens uns contra os outros a tão horríveis hostilidades e calamidades tão miseráveis.” (p. 22).


“No Brasil colônia: Predominou uma camada de latifundiários com seus interesses vinculados a grupos mercantis europeus dentre os quais se destacavam os traficantes de escravos africanos; a força de trabalho se constituía basicamente de escravos [...] alternativa para o escravo era a fuga para os quilombos; o exercício da cidadania é duplamente limitado: pelo Estado absolutista e pelo esquema interno de forças; o clero secular vive imprensado entre os senhores de terra e a Coroa da qual depende econômica e juridicamente.” (p. 23-24).


“Quanto às ordens religiosas, especialmente os jesuítas, empenhados na prática de uma Igreja supranacional, cumprem o projeto das missões junto aos índios. A cultura letrada é rigorosamente estamental.” (p.25).


“Na formação do sistema exigiram-se reciprocamente tráfico e senzala, monopólio e monocultura. No plano internacional determinou-se o ciclo de fluxo e refluxo da mercancia colonizada na linha das flutuações do mercado.” (p. 26).


“Condição toca em modos ou estilos de viver e sobreviver. Fala-se naturalmente em condição humana, não se diz jamais sistema humano.” (p. 26).


“O máximo que se poderia afirmar é que o colonizador tirou para si bom proveito da sua relação com o índio e o negro.” (p. 28).


“Gilberto Freyre insiste, em Casa-grande & senzala, em louvar o senhor de engenho luso-nordestino que, despido de preconceitos, se misturou, fecunda poligamicamente, com as escravas, dando assim ao mundo exemplo de um convívio racial democrático. [...] Sérgio Buarque prefere atribuir a miscigenação à carência de orgulho racial peculiar ao colono português.” (p. 28).


“Foi, a colonização, um processo de fusões e positividades no qual tudo se acabou ajustando, [...] ou, ao lado de uma engrenagem de peças entrosadas, se teria produzido uma dialética de rupturas, diferenças, contrastes?” (p. 29-30).


“Diz T. S. Eliot a respeito da dinâmica entre a colônia e a metrópole: A cultura que se desenvolve no novo solo [...] era complicada, por vezes, pelas relações que fossem estabelecidas com uma raça nativa e, ainda mais, pela imigração de outros locais que não fossem a fonte original.” (p.30).


“A luta é material e cultural ao mesmo tempo: logo, é política. Se o que nos interessa é perseguir o movimento das ideias, [...] então poderemos reconhecer, na escrita dos tempos coloniais, um discurso orgânico e um discurso eclesiástico ou tradicional, para adotar a feliz distinção de Antônio Gramsci.” (p.. 33).


“O discurso orgânico se produz rente às ações da empresa colonizadora, sendo, muitas vezes, proferido pelos seus próprios agentes. [...] o outro discurso, de fundo ético pré-capitalista, resiste nas dobras do mesmo sistema mercantil.” (p.34).


“A escrita colonial não é um todo uniforme: realiza não só um gesto de saber prático, afim às duras exigências do mercado ocidental, como também o seu contraponto onde se fundem obscuros sonhos de uma humanidade e valores de liberdade e equidade que a mesma ascensão burguesa estava lentissimamente gestando.” (p. 34-35).

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