Análise do livro Propaganda de lá para cá.
- Iasmim Santos
- 13 de dez. de 2018
- 11 min de leitura
Atualizado: 19 de dez. de 2018
GRAF, Marilia. G. Propaganda de lá pra cá. São Paulo: IBRASA, 2003, 172p.
A princípio, no livro de Marília Graf, vemos que a propaganda não deve ser compreendida apenas no hoje, longe do seu contexto social. Visto que, a história tem uma forte ligação com a propaganda e como conseguinte, a alteração dos comportamentos sociais. Compreender a realidade atual, sem olhar o passado, é um erro, porque ele tem um forte peso no presente.
As apropriações simbólicas do amplo universo da propaganda permeiam-se pela cultura e transformação histórico-social das sociedades diversas. A forma como a propaganda se manifesta e se manifestará em cada meio será determinada subjetivamente, de acordo com os interesses que a move.
No Brasil Império, primeiro capítulo do livro, e nos próximos, entenderemos o que foi exposto anteriormente com mais clareza, pois seria impossível compreender adequadamente o universo simbólico da propaganda sem entender o processo histórico em que ela começou ser produzida.

Brasil Império: Com o início das mercantilizações e importações de mercadorias, observamos que o Império, moldava o comportamento da colônia portuguesa (Brasil), baseando-se nos padrões europeus.
Durante o contexto do século XIX e parte do XX, a propaganda surge, com o lançamento do primeiro jornal Gazeta que dá início a imprensa no Rio de Janeiro.
Os anúncios dessa época eram do tipo “classificado”, mas já mostrando a importância da propaganda, então chamada de reclame, entre os comerciantes. Esses anúncios eram simples, de linguagem formal, ou reproduziam a fala cotidiana. E diferente do que vemos hoje, eles não tinham ilustrações, era a linguagem textual que se via com mais ênfase.
Além de esses anúncios contribuírem para o comércio de escravos, já que estamos em uma época escravocrata, eles retratavam também uma ideologia europeia importante ao Brasil em desenvolvimento.

No Primeiro Reinado (1822-1831) a situação não mudou o Brasil só trocou de roupa. Nesse período era forte a presença dos latifundiários e, a manutenção da estrutura socioeconômica baseada na escravidão.

As propagandas dessa época vendiam as amas-de-leite para amamentar os filhos da elite branca brasileira. E quem não tivesse uma ama mostraria o poder aquisitivo inferior, e naquela sociedade ninguém queria deixar transparecer isso.
Neste período, vê-se também o início da interferência da mídia na política e não só nos comportamentos sociais. Porque, muitos jornais já denunciavam que as políticas do Imperador prejudicavam a economia do Brasil.
O período Regencial (1831-1840) foi uma continuidade do período anterior, porém com alterações na Constituição que geraram revoltas e ondas revolucionárias.
Na regência, faz-se muito importante, nos atentarmos sobre as práticas de consumo. Pois nesse período os hábitos de fumar transformaram-se em moda. E uma coisa interessante é que: os brasileiros ao contrário dos ingleses preferiam o charuto para se diferenciarem dos escravos que fumavam o cachimbo.
Percebe-se assim, a importância da separação dos produtos de acordo com a posição social que ocupa cada grupo.

Já no Segundo Reinado, a economia cafeeira, facilita a consolidação do Estado monárquico. E é nessa época que a propaganda se desenvolve.
Durante o Império, a falta de mão de obra para o café gerou um incentivo à imigração e a entrada de imigrantes no país. O maior exemplo desses imigrantes é Herman Hering, que montou em Blumenau a primeira malharia nacional, em 1880. E que tem sua marca muito conhecida na modernidade.
As novidades nacionais e estrangeiras receberam aprovação da sociedade e da imprensa da corte e eram copiadas pelo resto do país.
Já os anúncios sobre amamentação, em 1850, mudaram. Agora as propagandas demonstram que é sadio os bebês serem amamentados pelas suas próprias mães. O ato de amamentar seus próprios filhos se torna moderno, por ser também, um padrão europeu que passou a ser difundido nas revistas dessa época.
Percebe-se que o comércio continua reproduzindo a sociedade escravagista, e como sequência, a sua necessidade de ser e se parecer branco, a todo custo. E com isso, ser aceito socialmente.
Outro fato interessante é que mesmo não condizendo com o clima local, o brasileiro da elite, utilizava as novidades europeias como as roupas e vestidos de veludo apropriado para o clima europeu. Além das festas populares que foram sendo substituídas por outras consideradas mais civilizadas.
É interessante notar também, que as propagandas de remédios quando eram propagadas, eram sempre associadas a algum santo, como forma de prometer o milagre da cura, por meios químicos que substituíam os chás, as ervas e porções antes utilizadas como medicamentos.
Segundo Ramos e Marcondes (1995) o primeiro cartaz publicitário apareceu no Rio de Janeiro, em 1860, para anunciar o lançamento da Semana Ilustrada. E a ilustração passa a ter função central nos anúncios de 1875. Diferente dos anúncios nos períodos anteriores que ainda não continham ilustrações.
Cabe ressaltar que as propagandas vinham atender a necessidade econômica de gerar demanda e informar sobre os produtos existentes no mercado.
Sendo um dos grandes papéis da propaganda e publicidade, formar novos hábitos.
Sobre os hábitos de consumo, na República Velha (1889-1930), a cerveja torna-se mania nacional em 1911, indicada inclusive para crianças em seus anúncios.
E nesse momento vemos o poder que a propaganda tem ao disseminar e vender seu produto. Desde textos altamente produzidos e persuasivos; e ilustrações para intensificar o que havia sido dito textualmente. Essa forma de vender o produto e gerar interesse até para outras personas e públicos foram exploradas e vão continuar a ser utilizadas como estratégias de marketing.
O período da Belle Epóque (1900-1920) cria um excesso de produção que usa a propaganda para além de divulgar, criar novos padrões de consumo.
Com a vinda de produtos americanos (como Abright, Texaco, Kodak, GE, GM) chega também, a técnica americana da propaganda comercial e as empresas deste país abrem seus próprios departamentos publicitários.
Após a 1ª Guerra Mundial o Brasil entra oficialmente no mercado de consumo.
É válido ressaltar que se os jornais marcaram o período anterior nesse, as revistas tem um papel importante para difundir novos valores hábitos e estilos de viver. Como a instituição casamento, que era valorizada do ponto de vista social, considerada o sustentáculo da família. Sendo também, explorada e utilizada como um dos temas e instrumento das propagandas.
A primeira agencia totalmente brasileira, foi a Eclética-inaugurada em 1923.
A mulher era um dos principais alvos na propaganda, colocada como a dona do lar, mesmo que trabalhasse fora; As propagandas induziam às mulheres ações e hábitos para satisfazerem seus maridos e sustentar a imagem da “família moderna”.
Os produtos de beleza para o consumo do público feminino apelavam para a sedução e os da casa para o conforto e a economia do tempo. E as propagandas eram utilizadas como intensificadoras do momento histórico vivenciado.
A compra dos produtos indicava, sobretudo, a classe social a qual os indivíduos pertenciam.

Como já foi citada anteriormente, um dos veículos mais importantes para a propaganda nesta época era a revista. E em 1926 é lançada a revista que seria o embrião das atuais: O Cruzeiro.
Existiam também os cartais publicitários, bastante conhecidos atualmente, que eram utilizados, por exemplo, para a divulgação de eventos culturais, como o da Semana de Arte Moderna.
No período da Revolução de 30 e Governo Vargas (1930-1937) foi criado o lema “a propaganda é a alma do negócio”
Inicia-se também a era do rádio que além de amplo era um importante veículo de propaganda.
Importante notar que nesta época a propaganda começa a anunciar a sua própria eficácia e a dos veículos de comunicação.
A crise capitalista internacional levaram as classes dominantes brasileiras a abdicar das liberdades politicas e apoiar um regime ditatorial que garantisse o seu interesse essencial, a manutenção do lucro. A vista disso, veremos que a propaganda também mudaria.
Com isso Getúlio Vargas no Estado Novo (1937-1945) difundiu, através do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), a propaganda oficial do governo (principalmente pelo programa radiofônico: A Hora do Brasil).
As propagandas retravam a entrada do Brasil na guerra e, eram utilizados imagens e textos alusivos ao conflito.
Nesse período a exaltação da malandragem foi proibida, mudando assim o caminho das formas que as propagandas e seus anúncios seriam gerados. E até o samba, por exemplo, foi utilizado no projeto nacionalista da época. Pois o DIP aconselhou os compositores a adotar temas de exaltação ao trabalho e de condenação à boemia.
As mulheres eram persuadidas através de produtos que reforçavam o ideal de beleza da época, inspirados nas atrizes do cinema americano.
É fácil perceber, que à medida que a modernidade traz consigo novos produtos e equipamentos revolucionários, a população se vê também, atrasada se não acompanhar os novos avanços e com isso a propaganda cria cada vez mais efeitos, pois ajuda a fazer nascer esse sentimento nos indivíduos.
A saúde é o tema central na maior parte dos anúncios, o direcionado às mulheres estava ligado ao ciclo menstrual; e no público masculino se referia ao vigor físico e mental.
Para ser bela usava-se o sabonete das estrelas; para ter poder comprava-se um carro; para mostrar estilo fumava-se; e para matar a sede bebia-se Coca-Cola.
No governo Dutra (1946-1951) e a volta de Getúlio (1951-1954), a televisão passa a ocupar um espaço central na casa, na sala, na vida do cotidiano que gira em torno de sua programação. Com isso ela ajuda a transformar o ambiente gerando novos interesses e também o abandono de hábitos considerados ultrapassados.
Os meios de comunicação exibem ícones a serem copiados que influencia na identidade do brasileiro.
Um desses influenciadores é o cinema americano, seguido pelas rainhas de rádio, pelas misses e pelas atrizes e atores da televisão brasileira, que criam um novo padrão de beleza, que se consolida na década de 50.
Como foram expostas, no início desse texto, as identidades pessoais passam e passa a ser formada por símbolos que traduzem a beleza, prazer ou status.
As palavras mais utilizadas para atrair o consumidor, que merecem serem citadas aqui, eram: rapidez, menos trabalho, moderno, funcional, e economia de tempo.
É nesse período que são inaugurados os primeiros supermercados. E as datas voltadas ao consumo, como: o Dias dos Pais.
Nos governos de Café Filho (1954-1956) e Juscelino Kubitschek (1956 -1961), a propaganda apresenta mudanças. Como: as representações da mulher moderna, utilizando o cigarro (nessa época era permitido ao ciclo feminino fumar em público).
Em 1957, é realizado o I Congresso de Propaganda no Rio de Janeiro. No ano seguinte já existia no país 500 agências de propaganda e 5.000 profissionais na área, espalhados em agências, revistas, jornais, televisão, rádio e departamentos próprios das indústrias.
Em 1959, se inicia a propaganda que substitui a real utilização do produto anunciado em seus slogans, por outros valores agregados, visando impulsionar mais o consumo.
Durante seu governo Jânio Quadros (1961) criou o Conselho Nacional de Telecomunicações onde foi regulada a duração dos comerciais e a obrigação de filmes estrangeiros serem dublados.
Em termos de consumo a calça jeans é anunciada na indústria da moda, sendo um sucesso.
E necessário salientar que o negro nessa época ainda não aparece nas propagandas, pois não tinha uma participação efetiva na vida econômica do país.
No governo de João Goulart (1961-1964) a propaganda evoluía, utilizando conceitos em suas mensagens, com ideias que colocavam no produto um diferencial a mais, unindo texto e imagem.

O modelo político do período compreendido como Ditadura militar (1964-1985) tem como destaque, a centralização do poder, fortalecimento do executivo, controle da estrutura partidária, controle dos sindicatos e entidades de classe, censura dos meios de comunicação e repressão política.
No entanto, foi uma época de grande expansão cultural brasileira, porque os autores de músicas, peças de teatro, filmes, livros etc. precisavam usar sua criatividade falando por metáforas visando burlar a censura.
Época também, das maravilhas eletrodomésticas, como ferro elétrico, o fogão a gás de botijão, frigideira de alumínio, secador de cabelo, torradeira de pão, rádio AM e FM, videocassete, ar-condicionado, entre outras.
Os hábitos de limpeza e higiene são difundidos como o uso do fio dental, escovas de dente para as camadas populares, como também, detergentes e produtos multiuso.
Destaca-se nesse período, a categoria Unissex no mercado, coincidindo com a época em que as mulheres lutavam pelos direitos de serem tratadas com igualdade.
As publicações e anúncios acompanhavam o momento vivido.
Além de a indústria farmacêutica crescer nesse período, os veículos de comunicação se profissionalizavam e visavam conhecer, com o auxilio da psicologia, o que levava as pessoas agirem de determinada maneira. E conhecer também, qual a satisfação psicológica que mais influenciaria no momento da compra.
Os profissionais passaram a se importar com o subconsciente do comprador.
Entre os governos de Castelo Branco (1964-1967) e Costa e Silva (1967-1969) podemos destacar a forma como a propaganda era retratada para vender produtos e de certa forma denunciar a situação do país. Tendo como exemplo, os anúncios da moda onde modelos apreciam com armas nas mãos. E por que não destacar aqui também, a coleção de uma das mais importantes estilistas da história da moda no país Zuzu Angel, que retratava em suas estampas o sentimento da guerra e toda a atmosfera caótica que o país se encontrava.
Como a censura aos órgãos da imprensa era ferrenha, a produção artística e cultural do país também foi atacada pelo governo militar de forma agressiva e coercitiva, pois representava uma parte da juventude, que deveria ser controlada e domesticada.

No governo de Emílio Garrastazu Médici (1969-1974) não foi diferente, o autoritarismo e repressão continuam e coincide com a expansão da economia. As criações de slogan incentivando o sentimento nacionalista e ufanista eram fortes como: “Brasil: ame-o ou deixe-o” e “Ninguém mais segura esse país”
A mídia televisa adquire cada vez mais importância no cenário brasileiro, usada pelo governo para propagar sua ideologia.
A televisão em cores viria trazer um grande passo para a modernidade, na administração de Ernest Geisel (1974-1979).
Em 1974, é criado o personagem garoto Bom Bril, que viria transforma-se no maior sucesso da propaganda brasileira conhecido até os dias de hoje.
Nesse período aconteceu o Terceiro Congresso Brasileiro de Propaganda, realizado em São Paulo, que foi movido pela autocrítica de serem as agências, uma continuação do poder econômico repressor.
A sociedade brasileira abre-se a uma maior liberdade e permissividade, representada pela descoberta do corpo como fonte de prazer e isso foi visto nas propagandas no período do governo de João Batista Figueiredo (1979-1985).
Já na gestão de Collor de Mello (1990-1992), a propaganda parou junto com as atividades econômicas do país, e para incentivar o consumo das mercadorias estocadas, o mercado investia nas promoções.
Começa neste período a surgir uma exploração de um novo mercado de consumo: solteiros e descasados, como também começa a ser explorado o marketing da terceira idade.
No governo de Itamar Franco (1992-1994) seu governo foi marcado por problemas econômicos, pelo desemprego e pela alta inflação.
Foi uma época de liberdade sexual cuidadosa, devido ao perigo da Aids. E propagandas utilizadas com foco na doença foram criadas para ajudar no seu combate, como: “Quem vê cara não vê AIDS”.
No último capítulo, no mandato de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) é retratada a grande inovação em termos de comunicação pessoal, como: o lançamento dos telefones celulares.
Nichos de mercado citados anteriormente continuam sendo desbravados pela propaganda, como dos animais. Tendo como novidade os produtos para pessoas negras, devido à elevação econômica e social deles. Mas também, ainda valorizava os músicos, esportistas e modelos famosos.
Uma das campanhas mais famosas e duradouras que utilizou o negro foi o da cadeia de lojas C&A, com o modelo Sebastian. Que abriu o caminho para outros negros na área.
Percebe-se que a beleza nesse momento da história, não é mais uma idealização feminina. O homem busca ser belo, consumindo moda e produtos de beleza visando não só a sedução, mas também o sucesso e o reconhecimento profissional, pessoal por meio de objetos que simbolizem o status, sofisticação e poder.
A propaganda retrata este novo homem, com fragilidades e limites. E a mulher mesmo ainda sendo retratada como dona do lar, é representada menos reprimida e submissa.
Ao surgir o termo “pré-adolescente”, a infância teve seu tempo diminuído e foram lançados produtos e anúncios para aumentar e incentivar o consumo no público infantil.
Igualmente, o veículo televisivo continua até hoje com sua força, bem como nessa época que fez abrir muitas discussões sobre o seu poder na formação das identidades de crianças e adolescentes e na influencia de indivíduos de qualquer idade, a partir dos seus programas populares.
Além disso, é também a partir dessa era, que o marketing social se afirma como tendência. Sendo perceptível a precisão das estratégias mercadológicas que vão além da criação de campanhas inovadoras.
O desejo dos consumidores move a produção. E o foco do marketing passou a ser do produto para o consumidor que se tornou cada vez mais exigente, e rigoroso em suas avaliações (apoiado pelo Código de defesa do consumidor).
Contudo, o novo desafio que foi apresentado e utilizado até os dias atuais está na forma de: falar certo, para o consumidor certo, com o produto certo.
Sem dúvida, no século atual, é fácil perceber a importância em consumir produtos que nos levem à modernidade, e ao progresso, bem como nos séculos anteriores da história do Brasil.
O “consumo atualizado” nos dá a sensação de encaixe, pertencimento e seguidor fiel de um tempo.
Diante disso, percebe-se coincidir com o passado, a mesma necessidade em se encaixar nos modelos gerados e disponibilizados, estar na moda e buscar os estilos de vida moderna que a indústria cultural e a mídia propagam.
Em síntese, foi escrutinada a forma como os momentos e descobertas de cada período foram aproveitados nas produções de propaganda e publicidade até os dias de hoje. Porque, enquanto muito dos temas abordados e mecanismos escolhidos não poderiam ser usados em determinada época histórica, em outras foram estrategicamente explorados.
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